O mistério da escada


Categoria:  Ficção
Gênero: Mistério, Suspense.
Recomendação: Livre


E
ra uma tarde de sexta-feira, por volta das cinco horas, Gabriele trabalharia até as oito. Agitava a caneta distraidamente entre os dedos incapaz de se decidir, por mais que tentasse se concentrar em seu trabalho não conseguia, aquele telefonema realmente a perturbara. Desligara o telefone há poucos minutos e a conversa toda fora muito estranha, segundo o advogado da família ela herdara uma antiga casa de um tio rico, tio rico? Aquilo só podia ser uma brincadeira, nunca ouvira falar de tal parente, mas ele lhe passara o endereço da casa, fugia um pouco de sua rota habitual, porém achava que já passara por lá algumas vezes.
Após o expediente sentiu que não conseguiria esperar, pegou um ônibus e desceu por perto do local, estava um pouco escuro, mas isso não aplacaria sua curiosidade, algo nela precisava ver a casa o mais rápido e era muito forte.
A rua era aquela... Mas onde estava a casa? Ela passou por uma grande casa, tijolos (cinzas), plantas trepadeiras cobrindo a parede esquerda, portão branco, grande espaço aberto e área verde, passou direto, mas verificando o endereço voltou alguns passos e sobressaltou-se.
Um homem estranho com chapéu de palha, capa verde e mascando um (mato?), estava recostado no portão.
- Quem é você?
- Eu... Sou Gabrielle... Eu herdei essa casa... – Disse um pouco assustada.
- Casa boa... Só tome cuidado com a escada.
Gabrielle franziu o semblante, com as palavras dele seus olhos foram instintivamente desviados para a casa.
- Mas, o... – Interrompeu-se, o estranho homem não estava mais lá. – Tá de brincadeira...
Gabrielle não era o tipo de pessoa que se impressionava fácil, amedrontava ou deixava-se levar por emoções, tivera que ser forte desde muito cedo, pois tinha apenas cinco anos quando sua irmã mais velha desaparecera, seu pai morrera dois anos depois e sua mãe sofreu um grande desequilíbrio, desde então cuidava de tudo, sua mãe, a casa, a escola, o dinheiro da família, não podia deixar nada escapar ao seu controle, sempre sentiu-se de uma forma ou de outra muito ajudada, embora tivesse consciência de que vivia só no mundo. E lá estava ela com 16 anos, um emprego que lhe dava o bastante para pagar as contas, alugar um casa de um quarto e nada mais, agora recém descoberta herdeira de uma casa velha.
No começo do ano sua mãe piorara e as crises se tornaram tão graves que viu-se obrigada a interná-la, a visitava todas as manhãs antes de ir para escola e algumas tardes, antes do trabalho. Não cumpria horário de almoço para que pudesse sair mais cedo, teve que lutar muito para internar sua mãe, era menor de idade e não tinha ninguém que respondesse, foi aí que apertando-se um pouco mais no orçamento contratou um advogado antigo conhecido da família, entrou com pedido de emancipação e intervenção... Tudo muito aborrecedor para uma adolescente. Não gostava que soubessem que estava sozinha, por isso fazia de tudo para não ser vista pelos vizinhos e durantes as noites, para afugentar o sentimento de vazio deixava a televisão ligada, mesmo que não estivesse assistindo. Conhecia praticamente a programação de todos os canais de cor e os respectivos nomes, como se fossem membros de sua família, aprendera a cozinhar com o grande chefe da manhã, a costurar com a vovó do canal cultural, dicas para a casa em alguns programas que passavam enquanto arrumava-se para a escola, dormia no horário das novelas, assistia poucas programações da madrugada.
Não se lembrava de ter sonhos ou ambições, não tinha tempo para aquilo, não se divertia com as amigas, os finais de semana eram para arrumar a casa e estudar para provas. Namorou uma vez, depois concluiu que não podia dar-se a aquele luxo.
Os dias se passaram e Gabrielle não conseguia tirar aquela casa da cabeça, se fosse mesmo sua o que faria com ela? Venderia? Quem iria querer comprar aquilo? Será que realmente daria dinheiro? Algumas coisas ela não conseguira aprender na televisão... 

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